A Resistência Antimicrobiana (RAM) constitui uma ameaça à saúde pública, sendo responsável por cerca de 1,14 milhões de mortes em 2021, com maior peso ao nível da África subsariana. Em Moçambique, estima-se que cerca de 31.100 mortes foram associadas a resistência aos antibióticos, das quais, 7.800 mortes foram atribuídas a resistências antibióticas. Em muitos países africanos, incluindo Moçambique, existe um grande desafio em relação à disponibilidade de dados sobre a resistência antimicrobiana, devido à falta de infraestruturas adequadas de laboratórios de Microbiologia com pessoal técnico qualificado, o que dificulta quantificar o peso real e a mortalidade associada à resistência aos antibióticos.
Para assinalar a semana mundial de consciencialização sobre resistência aos antibióticos (18 a 24 de Novembro), o Centro de Investigação em Saúde de Manhiça (CISM), através do Programa de Vigilância de Saúde para Prevenção da Mortalidade Infantil (CHAMPS), realizou, no dia 28 de Novembro, na cidade de Quelimane, Província da Zambézia, uma oficina de trabalho sobre a vigilância de Resistência Antimicrobiana (RAM) destinada a Técnicos de Laboratórios de Microbiologia, Microbiologistas, estudantes de Medicina da Universidade Licungo e do curso de Laboratório do Instituto de Ciências de Saúde e de Medicina.
“A Resistência Antimicrobiana é uma das grandes preocupações de saúde pública. Há necessidade de analisar as diferentes dimensões que contribuem RAM, de forma que se aborde e se oriente com evidências científicas para a tomada de decisões em relação a importação de medicamento adequado, assim como a utilização racional dos antibióticos”, disse Dr. Tomé Charles, Director de Serviço Distrital do Saúde, Mulher e Acção Social em Quelimane (SDSMASQ), no seu discurso de abertura.
De acordo com Dr. Marcelino Garrine, Microbiologista e Investigador do CISM, os dados disponíveis sobre resistência aos antibióticos em Moçambique provêm, na sua maioria, de estudos realizados na região sul, sendo ainda escassos os dados das regiões centro e norte, mas considera que há esforços de trabalhos entre o sector de saúde e a comunidade para reduzir o uso de antibióticos em todo país. “Os estudos variam de região para região e ainda são realizados esporadicamente. Há falta de vigilância contínua para ter dados robustos sobre a RAM em Moçambique. Por exemplo, estudos efectuados na Cidade da Beira, Província de Sofala, mostram que alguns estereótipos são mais comuns e que estão associados ao aumento de internamentos. Portanto, buscar informações sobre quais patogénicos (doenças em humanos causadas por agentes infeciosos) são mais comuns em Moçambique e quais estão associados à resistência que levam à morte deve ser prioridade”, comenta Garrine, adicionado que dados preliminares do estudo CHAMPS, em curso no Hospital Central de Quelimane, reportam a circulação de patógenos bacterianos como, K. pneumoniae, S. aureus, E. coli resistentes a múltiplos antibióticos, associados a alta taxa de mortalidade em crianças menores de 5 anos. Estes dados chamam atenção para o desafio existente no País sobre o manuseamento clínico adequado dos pacientes com infecções causadas por estirpes resistentes aos antibióticos, e provavelmente contribuindo para a mortalidade.
Por sua vez, Aureliana Chambal Chilengue, Jovem Embaixadora da Sociedade Americana de Microbiologia (ASM) em Moçambique, que participou virtualmente, apresentou os objectivos e visão da organização e as principais actividades desenvolvidas pela ASM a nível do país. “Já estivemos nos hospitais Centrais de Maputo, Beira e Nampula, assim como em algumas escolas e Universidades para reforçar a ciência da microbiologia e mostrar a possibilidade de utilizar recursos locais para a potenciar. Em 2023, lançamos o Clube infantil de Microbiologia, uma iniciativa que visa estimular o interesse pela ciência em as crianças de 5 aos 15 anos por meio de actividades criativas, visuais e interactivas. Além disso, realizamos também uma feira de saúde no ISCISA (instituição de formação) e um workshop direcionado aos estudantes no estágio final dos seus cursos, com foco no aconselhamento de carreira e criação de estratégias para o desenvolvimento profissional”, explicou Aureliana, deixando aberta a oportunidade existente para os interessados em serem membros da sociedade.
Como Embaixador da Sociedade Americana de Microbiologistas em Moçambique, Dr. Inácio Mandomando destacou o papel da organização na procura de soluções para fortalecer os países membros e a oportunidades de formar a futura geração de investigadores para ajudar os países a tomar decisões (são mais 114 embaixadores a nível global).
Mandomando, que também é Investigador Principal do programa CHAMPS em Moçambique, esclareceu que o CISM, através do Sistema de Vigilância Demográfica e de Saúde (HDSS) na comunidade tem vindo a monitorar a tendência da resistência aos antibióticos e os principais agentes patogénicos, desde 2000, no distrito da Manhiça. Neste momento pretende-se recolher a mesma informação em Quelimane para que o pessoal clínico possa recomendar o antibiótico adequado e reduzir o seu uso desnecessário.
O Investigador do CHAMPS sublinhou ainda o contexto de Saúde Única (one health), onde seres humanos, animais e agricultura têm sua contribuição na resistência antimicrobiana. Tendo igualmente destacado o papel do programa CHAMPS para compreender e analisar a contribuição da RAM para a causa das mortes em crianças menores de 5 anos.
A Directora Sénior de Impacto e Engajamento do Escritório Central do Programa CHAMPS, Dra. Portia Mutevedzi, que visitava o site de Moçambique, participou do evento e falou do interesse do Programa em investigar mais a RAM, pois, para as várias causas de nados mortos, o CHAMPS identificou a RAM como um dos principais factores de risco. “Muitas causas da mortalidade infantil estão relacionadas com problemas maternos, o que significa que os projectos que combatem estes problemas maternos podem reduzir a mortalidade infantil. O CHAMPS também investigou as razões pelas quais os recém-nascidos são infectados com agentes patogénicos resistentes aos antibióticos, e foi reconhecido que estas infecções ocorrem após e durante o parto. No entanto, foi encontrado um elevado número de infecções adquiridas na comunidade, estranhamente, 3 dias após a alta, assumindo que provavelmente também podem ser infectadas no hospital. A desnutrição, o HIV e o paludismo são encontrados nos bebés com mais de 1 ano”, afirma Portia.
Todavia, após as discussões, conclui-se que a limitação de dados sobre a RAM em Moçambique apontam para uma situação problemática da RAM no nosso contexto e para o combate efectivo desta pandemia silenciosa, é crucial gerar conhecimento e evidências que possam apoiar as actividades de prevenção e controlo da resistência aos antibióticos.
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