O Estabelecimento de um laboratório de entomologia no CISM, seus desafios e perspectivas
Há 25 anos quando foi criado o Centro de Investigação em Saúde de Manhiça, CISM, o Centro apostou em dar o seu contributo na luta contra a malária, já considerada como um dos principais problemas de saúde pública do país, desenvolvendo programas de pesquisa que contribuíram para o avanço do conhecimento e, em alguns casos, influenciaram as políticas nacionais e globais da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Nos seus inícios, a pesquisa do Centro esteve mais centrada a componente epidemiológica da doença, porém, em 2014, com o início do Programa MALTEM, financiado pela Fundação Bill e Melinda Gates e Fundação “la Caixa”, o Centro teve a oportunidade de introduzir uma nova área de conhecimento, a entomologia.
De uma forma geral, a entomologia é o estudo dos insectos. No Centro, esta unidade laboratorial está focada no papel dos mosquitos na transmissão de doenças aos humanos, no monitoramento da eficácia de ferramentas de controlo de vetores. Procurar perceber o papel dos mosquitos na transmissão de doenças aos humanos implica a vigilância de vectores da malária com o objectivo de avaliar a composição, densidade, comportamento alimentar e de repouso (quando e onde os mosquitos picam e repousam), e a suscetibilidade aos insecticidas. Por sua vez, o monitoramento da eficácia de ferramentas de controlo de vectores implica a avaliação por exemplo da eficácia da pulverização intradomiciliar, assim como das redes mosquiteiras tratadas com insecticida após serem implementadas pelo Programa Nacional de Controlo da Malária.
A equipa de entomologia do Centro é coordenada desde a sua implantação no Centro, pelo Krijn Paaijmans, Investigador Principal da unidade (filiado ao CISM e ISGLOBAL) e professor na Arizona State University, e conta neste momento com 28 colaboradores.
Entre as principais actividades levadas a cabo pela equipa, destacar a chamada “inteligência entomológica” que visa orientar as políticas de controlo de vectores, a avaliação de ferramentas complementares de controle de vetores, como o impacto de larvicidas, melhorias habitacionais para reduzir a abundância de mosquitos, e a testagem de novos ingredientes activos que poderão ser usados na próxima geração de ferramentas de controle vetorial.
“A instalação desta unidade foi desafiante, pelo facto de existirem poucas referências de unidades laboratoriais no nosso país, mas também porque, no próprio Centro não havia nem local, nem equipamentos adequados para a criação de mosquitos, revela, Albino Vembane supervisor de campo na sub-área de entomologia, e acrescenta que "uma vez minimamente instalados, tínhamos também, insuficiência de insumos para a alimentação dos próprios mosquitos, pois não tínhamos sistemas artificiais de alimentação para mosquitos, tendo que nós mesmos (o Dr. Carlos Chacoour e Eu) alimentá-los usando o braço”.
“A falta de formação específica para entomologistas em Moçambique, é outro desafio que esta área enfrenta, e que levou ao CISM a investir na formação de vários colaboradores da unidade para que possam responder as necessidades impostas. Como eu, vários fomos os que se beneficiaram dessas formações a vários níveis, desde cursos de curta duração até mestrado” refere-se Mara Máquina, actual gestora de entomologia. Máquina acrescentou que foi graças a formação, exposição e ao tempo, que adquiriu experiência necessária, para que hoje por sua vez, contribua não só para a expansão das capacidades de entomologia em outros sites, como foi o caso a montagem de um laboratório de entomologia em Mopeia, Província da Zambézia, mas também para a capacitação do pessoal e criação de laboratórios de entomologia de organizações parceiras do CISM.
Entretanto, apesar do crescimento notório desta unidade que actualmente consolidou a sua relevância para o decurso dos estudos sobre a malária no país, nem todos compreendem realmente o seu significado, porém, tal como defende Luís Jamú, actual assistente de projectos de entomologia no CISM “é normal que outros não entendam, porque para muitos quando se fala da malária, o que lhes vem a mente é apenas o mosquito anopheles que pica e causa a doença, ou seja, têm mais informação sobre a doença, e pouca informação sobre o vector da doença. E a maioria só tem a informação de que capturamos e criamos mosquitos e que os acomodamos num ambiente confortável com ar-condicionado e papa CERELAC. Mas o que se faz lá, poucos sabem”.
A instauração de qualquer actividade de pesquisa com as comunidades incorre a vários desafios, desde a questões de desinformação ou má percepção do objecto de estudo pelos membros da mesma comunidade. Tal como refere Albino Vembane, “já fomos várias vezes mal interpretados pela comunidade. Por exemplo, quando introduzimos o uso de tendas, montamos armadilhas na entrada das mesmas, e recrutamos chefes de famílias para passarem a noite nelas. Foi numa altura em que se falava de tráfico de órgãos humanos, e esta actividade levantou rumores na comunidade, as mulheres dos participantes diziam que pretendíamos criar vulnerabilidades para que a noite elas fossem traficadas para se retirarem os órgãos. Acabamos sendo nós mesmos a ir dormir nas tendas e no dia seguinte fazíamos a demonstração dos mosquitos que haviam sido capturados nas armadilhas montadas, e aos poucos as comunidades foram cedendo”.
Jacob Ingaja é um dos participantes que dormia numa tenda no âmbito do estudo REACT 2, que revelou que “dormir na tenda não foi uma experiência fácil, devido a falta de conforto, que as vezes me causaram dor nas costas, como também, o facto de pernoitar longe da família. Apesar disso, contei com a minha família que compreendia o valor da nossa participação neste estudo” referiu o participante residente no distrito de Matutuíne.
Celso Melembe, um dos técnicos do insectário da unidade de Entomologia, defende que “aos poucos a comunidade vai entendendo o valor do nosso trabalho, pois temos contribuindo para a redução dos casos de malária, tal como aconteceu no distrito de Magude que no âmbito do projecto Maltem contribuímos para a redução da malária em cerca de 86%. Para além do feedback que recebemos da comunidade, temo-nos sentido honrados quando vários artigos são publicados e que os mesmos contaram com a nossa participação, bem como, a adopção de novas políticas e ferramentas”.
Actualmente, “com a transmissão persistente da malária em várias áreas da província de Maputo, somos desafiados a descobrir quais os mosquitos responsáveis e como atingi-los de forma eficaz, e isso inclui perceber o comportamento dos indivíduos, quando recolhem no final do dia para dentro das casas e quando vão para a cama, para que possamos combinar isso com os padrões de picadas de mosquitos”, defende o investigador principal de entomologia, Krijn Paaijmans. Perante este desafio, a equipa acredita que tem pessoal qualificado, capacidades e experiência necessária para responder positivamente, pois, por exemplo, “agora podemos manter com sucesso uma linha de mosquitos suscetíveis, realizar testes de suscetibilidade a inseticidas sob condições especificadas pela OMS (27°C e 70% UR) e temos espaço na bancada para identificar os milhares de mosquitos que coletamos anualmente”, refere o investigador principal.
“PARA ENTENDER OS MOSQUITOS, TIVEMOS QUE APRENDER A AMÁ-LOS”
“O que há neles que não podemos amar? Se você olhar pelo microscópio, muitas espécies são simplesmente lindas com suas diferentes manchas, cores e faixas. O mesmo para as larvas imaturas: suas antenas, pele e ganchos também são algo especial, e na verdade usamos todos esses recursos para identificá-los” Krijn Paaijmans.
Graças a esse “amor” pelos mosquitos a equipa, conseguiu nos últimos anos apresentar resultados mensuráveis, com destaque a adopção de novas abordagens tais como a combinação de comportamentos de mosquitos com comportamentos humanos, o que levou à descoberta de que muitas picadas de mosquito já acontecem antes de alguém ir para a cama, seja ao ar livre ou dentro de casa. E em outro estudo, a equipa descobriu que os membros da comunidade, removem os insecticidas de suas paredes ou constroem novos cômodos, como quartos, depois da saída das equipas de pulverização, o que, contribuiu para que esses mosquitos tenham refúgios ou outros campos de actuação. E essa análise combinada, contribuiu para que se concluísse que deve-se encontrar ferramentas alternativas de controlo de vectores para atingir os mosquitos que picam fora de casa e trabalhar muito com as comunidades para garantir que não retirem os insecticidas, e tomem as medidas de prevenção contra a malária como o uso de redes mosquiteiras.
Nos últimos anos ficou claro que podemos chegar muito perto da eliminação da malária no sul de Moçambique, mas ainda não foi alcançada essa meta. Para tal, a equipa irá centrar a sua investigação nos seguintes aspectos:
Transmissão residual da malária: Será crítico (e interessante) descobrir o que está a acontecr do ponto de vista entomológico. Ver as mudanças no comportamento de espécies de vectores ou ter diferentes composições de espécies de vectores após o controlo de vectores? E como responder a essas perguntas nas áreas de pré-eliminação, onde os mosquitos são muito difíceis de encontrar? E se tivermos a resposta, como vamos atacar esses vetores residuais que não podem ser mortos com redes ou pulverização intra domiciliar?
Novas ferramentas de vigilância e controlo de vectores: Desde o fim do MALTEM, a entomologia ampliou a sua infraestrutura entomológica com uma área de cabanas experimentais em Palmeira. E conta actualmente com os esforços internacionais em andamento para desenvolver e testar novos productos químicos para o controlo de vectores, esperando que o CISM desempenhe um papel crítico neste âmbito.
Outros vectores presentes em Moçambique: Moçambique já experimentou surtos de dengue no passado, e tanto o Aedes aegypti quanto o Aedes albopictus foram encontrados na província de Maputo. Doenças como dengue, zika, chikungunya e febre amarela podem ser transmitidas localmente por essas espécies, ou talvez isso já esteja acontecendo, mas não conseguimos detectá-lo. “À medida que precisamos avançar para o manejo integrado de vectores (ou seja, o processo racional de tomada de decisão para optimizar o uso de recursos para o controlo de vectores), precisamos repensar como amostramos e controlamos uma variedade de diferentes insectos vectores simultaneamente” comenta Dr. Krijin.
Por último, mencionar que se irão manter os esforços para continuar com a formação da próxima geração de entomologistas moçambicanos para que eles possam se tornar os próximos líderes na pesquisa entomológica para o CISM, assim como para outras instituições académicas ou de pesquisa nacionais e ou internacionais, para o Ministério da Saúde, a OMS, entre outras.
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