Desde a criação do CISM houve a necessidade de desenvolver uma boa interação social e cultural com as comunidades de forma contínua, uma vez que elas são cruciais para o sucesso da implementação das actividades de pesquisa do Centro. Entretanto, de acordo com Khátia Munguambe, investigadora sénior do CISM, docente na Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane e uma das principais precursoras para a instalação da Unidade de Pesquisa Social (actual Área de Estudos de População) do CISM, a institucionalização da pesquisa social no Centro, foi devido a factos não previstos, que aceleraram a criação de uma linha de pesquisa social e comportamental.
Khátia Munguambe, enfatiza que “quando me juntei ao CISM, acredito que a liderança estava longe de pensar que essa área seria igualmente importante como as outras. No primeiro ensaio da então candidata a vacina da malária que foi realizado na Manhiça, havia uma forte interação entre o investigador principal e as poucas famílias das crianças que haviam sido selecionados para aquela fase, portanto pensou-se que era fácil interagir com a comunidade mesmo em intervenções não muito conhecidas pelas comunidades.
Sucede que, quando eu estava a fazer o meu trabalho sobre saúde ambiental doméstica (higiene, água, saneamento e controle de vectores ao nível dos agregados familiares), uma área nunca explorada no CISM até então e por isso constituía um tema “estranho” (e deve ser por isso que o Dr. Pedro Alonso chamou de partida de “antropologia”, pela sua ligação com a componente social e comportamental), e este trabalho, calha num período em que inicia a preparação para os ensaios de fase II-b e fase III da vacina no CISM. Na altura, tinha acabado de iniciar uma outra intervenção de malária denominada TIP (Tratamento Intermitente Preventivo), dirigido a crianças menores de um ano utentes do PAV (Programa Alargado de Vacinação). A intervenção consistia em avaliar se dando fansidar em intervalos que coincidiam com o calendário de vacinação protegia estas crianças contra a malária. Logo após o seu início, esta intervenção entra em crise, pois, havia muitas recusas e mesmo as mães que tinham aceite participar não faziam o seguimento e usavam todo tipo de técnicas para manterem as suas crianças no Programa Alargado de Vacinação (que era o ponto de recrutamento) sem serem captadas pelo circuito de recrutamento para a intervenção TIP.
Ainda que as recusas e o descrédito nas intenções do CISM estivesse a acontecer no contexto de outra intervenção, era eminente a ameaça desta situação para a fase subsequente do ensaio da vacina de malária que estava prestes a começar e ia envolver milhares de crianças, que eram em parte o mesmo grupo alvo que a intervenção TIP. Neste contexto, a investigadora conta que foi convidada pelo Dr. Pedro Alonso e o Dr. Eusébio Macete, para realizar um estudo que visava compreender as razões das recusas. “Aceitei o desafio, porém, apesar de não ter sido publicado um artigo científico, foi produzido um relatório do trabalho liderado por mim, o qual foi amplamente consumido tanto a nível do CISM como a nível externo. Foi aí que se começou a sentir a necessidade de se institucionalizar a pesquisa social para a realização de ensaios clínicos”, comenta.
O início da institucionalização da Pesquisa Social coincide com o momento em que a Dra. Khátia é convidada (2003) pelo seu professor Robert Pool a nível de doutoramento, para ser assistente do mesmo num estudo ligado ao Tratamento Intermitente Preventivo (TIP) para Malária, um estudo antropológico que foi realizado (2003-2005) no distrito da Manhiça cujo propósito era avaliar os factores relacionados com a aceitabilidade desta intervenção na comunidade. “Foi assim que começou a institucionalização desta componente no CISM, partindo de estudos mais pequenos e depois começamos a crescer e a obter financiamentos para os nossos estudos e pudemo-nos estruturar de forma mais sólida, e saímos de uma unidade para um departamento e mais recentemente, tornamo-nos numa área de coordenação” acrescenta.
A Pesquisa Social no CISM desde a sua institucionalização contribuiu para a aceitabilidade de vários estudos/ensaios não só no distrito de Manhiça, como em outros locais em que o CISM tem expandido as suas actividades. De acordo com a investigadora, dentre várias pesquisas realizadas por esta componente, destaca-se para além dos ensaios sobre a vacina, o projecto sobre a gestão de higiene menstrual que considera que foi um projecto pioneiro no país e que conseguiu trazer ao detalhe, os factores que fazem com que as raparigas se sintam constrangidas para poder ter um bom aproveitamento escolar e com este estudo, levantou-se a hipótese de que mesmo com as adversidades, as meninas fazem um esforço e conseguem ter um bom aproveitamento escolar, porém, há outros factores que fazem com que ela desista da escola, mas não estão directamente ligados a Higiene Menstrual. Entretanto “apesar do sucesso do estudo, ainda não há um movimento que evidencia medidas tomadas para uma adopção das recomendações em políticas públicas, bem como a replica do mesmo para a realização de outros estudos (qualitativos, económicos…)” comenta.
Ainda de acordo com Munguambe, a equipa envolvida nesta componente a nível do CISM, regozija-se por ter sido precursora do estudo sobre a introdução da vacina contra o HPV (agente causador do cancro do colo do útero) em Moçambique, no qual participaram vários colegas e considera que este é daqueles estudos completos, pois, “partimos de estudos pequenos de aceitabilidade, depois evoluímos para juntar-nos ao Ministério da Saúde para preparar a candidatura para obtenção de financiamento junto à GAVI. Só não fizemos a parte epidemiológica, mas este é um daqueles projectos que enche-nos de orgulho, sobretudo por saber que cerca de 10 anos depois, tudo leva a crer que ainda neste ano, será anunciada introdução da vacinação em Moçambique”.
Sobre Khátia Munguambe
BIOGRAFIA
Apesar de ser uma exímia profissional na área de pesquisa social, Khátia Munguambe é Licenciada em Biologia pela Universidade de East Anglia do Reino Unido, mestre em Controlo de Doenças Infecciosas e possui o seu doutoramento em Biomedicina com orientação em Saúde Ambiental, ambos pela Universidade de Londres (Reino Unido). Actualmente, é Prof. Auxiliar do Departamento de Saúde da Comunidade na Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), e investigadora sénior no CISM.
Nasceu em 1975, na cidade de Maputo, onde fez o seu ensino primário na Escola da FRELIMO, depois, o secundário na Escola Secundária Josina Machel e concluiu na Escola Secundária Francisco Manyanga. Em 1993, como muitas jovens da época, fez o seu exame de admissão e foi admitida na UEM para o curso de Biologia, porém, fez apenas um ano, pois teve a oportunidade de continuar os seus estudos na Universidade de East Anglia.
É filha de académicos e teve influência dos seus pais que lhe cativaram o gosto pelos livros e pelos estudos, mas também, teve a oportunidade de praticar desporto, mais concretamente a natação desde os 5 anos, igualmente, teve aulas de música que lhe possibilitaram a participar de uma orquestra juvenil da Rádio Moçambique e também teve aulas de dança.
Seu gosto pela pesquisa social, desperta já no fim da sua licenciatura quando foi mais exposta a actividades de laboratório, porém, segundo ela, não se identificava com as mesmas e quando voltou a Moçambique, trabalhou um projecto da UNICEF inicialmente como bióloga para avaliar a qualidade de água, mas pouco tempo depois, abraçou uma área que envolvia interação social e esta actividade lhe causou interesse, ao ponto de que quando foi realizar o seu mestrado, a escolha do curso foi influenciado pela componente social.
Munguambe, conta actualmente com mais de 70 publicações científicas e nos últimos anos, coordenou no CISM diversos estudos, com destaque para os estudos MHM, HIA4SD, ABACUS, CHAMPS, entre outros. Possuiu um certificado de Excelência em Parcerias Internacionais (2018) pelo Centro de Saúde Global, do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC Atlanta) e o prémio por excelência no trabalho de Doutoramento (2005) - Malcolm Morris Research Studentship Award (2005) do Royal Institute of Health Promotion (Reino Unido).
A pesquisa da Dra. Khátia, atravessa uma ampla gama de problemas de saúde pública, incluindo saúde materno-infantil, HIV, Tuberculose, Malária e COVID-19, bem como aspectos transversais como o uso racional de medicamentos e causas de morte em crianças. Especificamente, tem contribuído para o estudo de fatores que determinam a viabilidade das intervenções no contexto de ensaios clínicos ou implementadas pelos sistemas nacionais de saúde. Já liderou a condução de estudos em outros países, tendo se destacado a coordenação de um estudo multicêntrico sobre o impacto dos ensaios clínicos na qualidade dos serviços de saúde na Tanzânia, Gabão e Moçambique em 2011-2012 e dois estudos sobre viabilidade e aceitabilidade de autópsias minimamente invasivas (CADMIA-F&A, 2013-2015 e CHAMPS-SBS desde 2016) em Moçambique, África do Sul, Quénia, Serra Leoa, Etiópia, Bangladesh e Mali.
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