Recentemente, Cabo Verde foi certificado como o quarto país livre da malária na região africana da Organização Mundial da Saúde (OMS), após Maurícias, Marrocos e Argélia, certificados em 1973, 2010 e 2019, respectivamente. Em 2013, Cabo Verde elaborou o Plano de Pré-Eliminação, o Plano de Eliminação em 2014 e o II Plano em 2020-2024. Após a última epidemia em 2017, com 446 casos, sendo 423 na capital do país, Cidade de Praia, foi realizada uma avaliação e, posteriormente, redefinidas as políticas adaptadas à eliminação, um cenário real que o país vivencia desde Janeiro do corrente ano.
Neste sentido, o Centro de Investigação em Saúde da Manhiça (CISM) que há 28 anos tem trabalhado em pesquisas sobre a malária, tendo contribuído para a Vacina RTS,S, buscou a experiência de Cabo-Verde para a eliminação da malária, incluindo os desafios para recepção e manutenção da certificação, através do Webinar “Do Controlo à Eliminação da Malária” realizado no passado 08 de Fevereiro.
De acordo com Adilson DePina, Responsável do Programa Nacional da Luta contra o Paludismo (PNLP), Cabo Verde, esta conquista é resultado de anos de luta e trabalho, de organização das políticas e intervenções, e cumprimento das metas definidas. Portanto, “esta conquista é o mérito do país, no que tange à implementação das políticas de prevenção de doenças. Também significa um país mais saudável, em que esta doença deixa de ser um fardo de saúde pública, e certamente uma contribuição maior para o desenvolvimento do turismo e da economia do país”, disse o Responsável da PNLP.
Detalhando o processo da eliminação e certificação pela OMS de Cabo Verde livre do paludismo, a fonte explica que seguiram-se todas normas da OMS. E conta que, “após 3 anos sem casos locais, o país comunica oficialmente à Organização Mundial da Saúde os ganhos com intenção de ser certificado. De seguida elaboramos um plano de trabalho e cronograma com a OMS e posterior relatório nacional de eliminação. A OMS criou o Painel de Certificação da Eliminação (CEP), onde analisou o relatório e outros documentos importantes, conduziu visitas de campo ao país para verificação dos resultados. Posto isto, o CEP apresentou o relatório final à Malaria Policy Advisory Group (MPAC) da OMS com recomendações para a certificação ou não. O MPAC faz a sua recomendação ao Director Geral da OMS, que, por conseguinte, toma a decisão final e informa oficialmente ao Governo de Cabo Verde. Cabo Verde seguiu todos estes trâmites desde 2020, após atingir zero caso local de paludismo, elaborando as políticas, as várias avaliações, e seguindo todos os trâmites, culminando na comunicação oficial da OMS, de um país livre do paludismo a 12 de Janeiro de 2024. Porém, apesar das especificidades do país, que é arquipelágico, com clima específico, o trabalho feito poderá ser adaptado aos outros países”, relatou.
Quanto aos passos subsequentes aquando da certificação, o Responsável do Programa Nacional da Luta contra o Paludismo elucida que “cabe ao país assegurar a perenidade e sustentabilidade do ganho. Vários são os desafios que se impõem. Uma das condições da eliminação é ter um sistema de vigilância forte, capaz de dar resposta aos casos, sobretudo no diagnóstico, tratamento e seguimento dos casos importados que persistem, bem como o financiamento das actividades e sua integração a nível das delegações locais. Neste sentido, tornam-se essenciais recursos humanos qualificados em várias áreas, disponibilização dos dados a tempo real, e adaptação das políticas e intervenções ao processo de prevenção da reintrodução, assim como a liderança das acções e o reforço das parcerias a nível nacional e internacional”, enfatizando que “sim, é possível eliminar o paludismo em África e proporcionar melhores condições de vida às nossas populações, desde que haja vontade política e investimentos necessários para este fim”.
Dados do Programa Nacional de Controlo da Malária (PNCM), indicam que os casos de malária em Moçambique aumentaram de 12.405.244 em 2022 para 13.240.260 em 2023 que foi de casos, com uma incidência de 392 casos por 1.000 habitantes em 2022 para 408 casos de malária por 1.000 habitantes em 2023. Enquanto que a prevalência da doença reduziu ao longo dos oitos anos, de 40% em 2015 para 32% no período 2022/2023 e os óbitos por malária diminuíram de 423 em 2022 para 351 em 2023. Este cenário é resultado de união de esforços no combate à malária. A combinação de estratégias como o Controlo Vectorial (distribuição das Redes Tratadas com Inseticidas e Pulverização Intra Domiciliar), Quimioprevenção (utilização de medicamentos na reversão, bloqueio ou prevenção da doença), Comunicação e Manejo adequados de casos, tem contribuído para redução da prevalência e óbitos por malária.
Segundo Bernadete Xavier, responsável pelo Diagnóstico Laboratorial da Malária, o maior desafio é a escassez de recursos (materiais, financeiros e humanos) para ajustar as estratégias e actividades de acordo com as especificidades de cada um dos diferentes contextos geográficos, dada a heterogeneidade da malária em Moçambique (onde temos região de baixa, média e alta transmissão). “Existem também outros desafios que dificultam o avanço nesta incansável luta. Refiro-me a resistência de vectores a quase todos inseticidas usados no país; surgimento de novos vectores secundários na transmissão da malária; eventos climáticos e ambientais extremos que favorecem a multiplicação dos agentes causais da malária; deficiente conhecimento das normas de manejo de casos de malaria por alguns profissionais da saúde; e Mobilidade de pessoas para zonas alta transmissão (importação de casos)”, acrescentou Bernadete.
Por sua vez, Pedro Aide, Coordenador da Área da Malária no CISM considera a experiência de Cabo Verde um exemplo a seguir, considerando todos esforços envidados para garantir a eliminação. “O CISM tem vindo a trabalhar arduamente, desde a sua criação em 1996, em paralelo com o governo de Moçambique, na investigação para o controlo e possível eliminação da malária. Queríamos, portanto, que o Programa Nacional de Controlo da Malária de Moçambique e o Programa Nacional da Luta contra o Paludismo de Cabo Verde, dois países da região subsaariana, trocassem experiências em relação aos desafios impostos na luta contra a malária. Este webinar foi de grande importância para a concretização deste objectivo e esperamos que Cabo Verde continue disponível para qualquer apoio técnico que possamos precisar durante a caminhada para eliminação da malária no país”, exalta Pedro Aide.
Referir que Cabo Verde é o primeiro país da região subsariana a atingir esta meta. Nesta região quatro países contribuem para mais de 50% dos casos mundiais, nomeadamente Nigéria, República Democrática do Congo, Uganda e Moçambique.